Lu Xun 魯迅 (1881-1936) foi um escritor chinês. Representante máximo do Movimento Quatro de Maio, é considerado o pai da literatura moderna na China. Fez parte da Liga de Escritores de Esquerda, grupo de intelectuais afins ao Partido Comunista Chinês, e destacou-se pelos seus ataques à cultura chinesa tradicional e sua defesa da necessidade de reformas profundas na cultura e na sociedade chinesas.
Calebe Guerra é graduado em Letras-Mandarim e Literatura Chinesa pela Universidade JiaoTong de Xi’an, China. Mestre em Literatura Clássica Chinesa e doutorando na mesma área, pela Universidade de Wuhan. Amante de Literatura Clássica Chinesa e acadêmico na área, vive geralmente perdido na falta de equilíbrio entre o ritmo cardíaco binário e o silêncio da alma.
O texto a seguir faz parte de Ervas Daninhas 野草, uma coletânea de 23 poemas em prosa escritos entre os anos de 1924 e 1926 por Lu Xun, lançado pela Aboio junta ao canal BiYiNiao do Livro. Clica aqui para comprar!
Prólogo
Enquanto permaneço em silêncio, sinto-me completo. No momento que abro minha boca para falar, sinto-me vazio.
A vida passada morreu. Exulto-me1 nessa morte, pois assim sei que ela um dia existiu. A vida da morte já apodreceu e exulto-me em seu apodrecimento, pois assim sei que um dia ela não foi vazia.
O barro da vida jaz abandonado no chão, sem dar luz a nenhuma árvore imponente, somente a ervas daninhas. E a culpa é toda minha.
Ervas daninhas não têm raízes profundas nem flores bonitas, e, mesmo assim, sugam o orvalho; sugam a água; a água e a carne dos mortos antigos. Todos tentam roubá-la de sua vida. Enquanto ainda viver, será pisada, será ceifada, até que morra e apodreça.
Mas estou calmo. Contente. Darei gargalhadas, cantarei uma canção.
Particularmente, amo minhas ervas daninhas, mas detesto o chão que as ervas daninhas ornamentam.
O fogo do subsolo serpenteia enlouquecido. Quando a lava derretida se romper, consumirá todas as ervas daninhas e todas as árvores imponentes. Até que não sobre mais nada para apodrecer.
Mas estou calmo. Contente. Darei gargalhadas, cantarei uma canção.
Com o céu e a terra tão serenos assim, não posso dar gargalhadas e nem cantar uma canção. E ainda que o céu e a terra não estivessem serenos, provavelmente também não poderia.
Uso essa touça de ervas daninhas como o testemunho entre a luz e as trevas, entre a vida e a morte; na fronteira entre o passado e o futuro; dedicando ao amigo e ao adversário, ao homem e ao animal feroz, a quem eu amo e a quem não amo.
Por mim mesmo, pelo amigo e pelo adversário, pelo homem e pelo animal feroz, por quem eu amo e por quem eu não amo: espero que o apodrecimento e a morte dessas ervas daninhas venham sem demora. Senão eu nunca vivi. E isso seria uma desgraça maior que o apodrecimento e a morte.
Então vão, ervas daninhas, juntas ao meu prólogo!
26 de abril de 1927.
Lu Xun escrevendo do Pavilhão da Nuvem Branca, em Guangzhou.
1 大欢喜 é uma expressão budista que remete ao “estar contente após alcançar o objetivo desejado.” Entretanto, no texto Vingança (II), com temática cristã, 大欢喜, traduzido como “exultação”, não há uma tentativa de ligar o cristianismo ao budismo. Lu Xun utilizava-se de conceitos e símbolos do budismo e do cristianismo, sem fazer maior distinção ou dar grande importância às peculiaridades filosóficas que eles porventura trouxessem. Interessava-lhe palavras de cunho sacro pela estranheza que causariam ao público chinês, pouco habituado ao vocabulário religioso. Por isso, o autor mistura budismo e cristianismo, indiscriminadamente, além de não ser devoto a nenhum dos dois.
题辞
当我沉默着的时候,我觉得充实;我将开口,同时感到空虚。
过去的生命已经死亡。我对于这死亡有大欢喜,因为我借此知道它曾经存活。死亡的生命已经朽腐。我对于这朽 腐有大欢喜,因为我借此知道它还非空虚。
生命的泥委弃在地面上,不生乔木,只生野草,这是我的 罪过。
野草,根本不深,花叶不美,然而吸取露,吸取水,吸取陈 死人的血和肉,各各夺取它的生存。当生存时,还是将遭 践踏,将遭删刈,直至于死亡而朽腐。
但我坦然,欣然。我将大笑,我将歌唱。
我自爱我的野草,但我憎恶这以野草作装饰的地面。
地火在地下运行,奔突;熔岩一旦喷出,将烧尽一切野草, 以及乔木,于是并且无可朽腐。
但我坦然,欣然。我将大笑,我将歌唱。
天地有如此静穆,我不能大笑而且歌唱。天地即不如此 静穆,我或者也将不能。我以这一丛野草,在明与暗,生与死,过去与未来之际,献于友与仇,人与兽,爱者与不爱者之前作证。
为我自己,为友与仇,人与兽,爱者与不爱者,我希望这野
草的死亡与朽腐,火速到来。要不然,我先就未曾牛存,这实
在比死亡与朽腐更其不幸。
去罢,野草,连着我的题辞!
一九二七年四月二十六日,鲁迅记于广州之白云楼
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Foto de Luísa Machado.